quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Os óculos escuros de Cartola


Cartola (Brasil, 2006)
Diretores: Lírio Ferreira e Hilton Lacerda
Gênero: Documentário
Duração: 88 minutos

Em um contexto de multiplicação de documentários biográficos, está Cartola - Música Para os Olhos, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda. Esta cinebiografia sobre a vida de um dos principais mestres do samba levou oito anos para ser finalizada. A obra inova e arrisca, utilizando uma montagem de imagens aparentemente desconexas. Mas, por meio dessa ligação inusitada, que constrói uma narrativa pouco linear, a história de Angenor de Oliveira – o Cartola (1908-1980) – vai sendo contada de maneira leve e agitada, como era a sua vida.

Por excesso de criatividade dos diretores ou por falta de imagens do músico, Cartola utiliza outros filmes para ser montado, reconstituindo a época tão fértil para a cultura brasileira. A partir daí, uma série de cenas de obras nacionais complementam as imagens de arquivo, das chanchadas da Atlântida, acontecimentos políticos e filmes do Cinema Novo, em alguns momentos funcionando como criativas intervenções no roteiro, em outros, apenas caracterizando a História. E foi justamente pela negociação sobre os direitos autorais de imagens de arquivos e de músicas que o documentário demorou a ser finalizado.

No começo, o próprio sambista, autor de mais de 500 canções, narra a sua vida e depois, amigos, músicos e pessoas do meio musical vão dando os seus testemunhos sobre ele, homem de formação acadêmica restrita, que compunha versos com metáforas camonianas e melodias românticas, enquanto lavava carros ou servia cafezinhos.

O documentário não "doura a pílula" e deixa claro que a história do protagonista foi trágica. Teve meningite, quase ficou paraplégico, sumiu da cena artística aos 38 anos e foi até dado como morto. Mas graças ao jornalista Sérgio Porto, o Stanislau Ponte Preta, que o redescobriu em Ipanema, o sambista teve a sua voz finalmente registrada em 1966 em um disco de Elizeth Cardoso.

Cartola, uma das figuras-chave para a consolidação do samba como um símbolo de identidade nacional, só teve o seu primeiro disco lançado aos 66 anos. Fica claro, no entanto, que nada disso era problema para um dos fundadores da escola de samba do Rio de Janeiro, a Estação Primeira de Mangueira, e dono de uma composição sofisticada, que continha em si a contradição de uma vida paradoxalmente dura e glamurosa.

Conheça a crítica de Alice Abbud sobre o documentário.

Os óculos escuros de Cartola - Alice Abbud

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